quarta-feira, 4 de abril de 2018

Explorando a região dos cânios do centro-serra



Na última quinta-feira (29 de março), eu o amigo Christian Beier, combinamos uma saída à campo em busca de novos registros da avifauna gaúcha. Desta vez queríamos conhecer uma região que apesar de ser extremamente relevante biologicamente ao centro do estado, é muito pouco explorada em termos de registros recentes na plataforma do Wikiaves. Trata-se das matas que margeiam do rio Jacuí e seus afluentes no centro-serra do estado, no município de Estrela Velha-RS.

Eu e Christian na base do canion do Rio Jacuizinho
Após pesquisarmos os mapas definimos quatro possíveis pontos de interesse, onde além de possíveis encontros com aves de difícil avistamento também garantiríamos belas paisagens, dos quais escolhemos conhecer dois deles, a Cascata do Espinilho e a Cascata das Bicas.

Circulo: área urbana de Estrela Velha-RS
CASCATA DO ESPINILHO

Eram 7:00h quando o Christian chegou à Cruz Alta vindo de Panambi, e por volta das 8:30h já estávamos chegando na Cascata do Espinilho. No local fomos recebidos pelo Sr. Marciano, morador e ótimo anfitrião, que apesar de estar com compromissos naquela manhã, fez questão de nos acompanhar ao topo da cascata contando-nos um pouco daquela incrível formação com 65 metros de queda livre.

Vista da Serra-Centro, Rio Jacuizinho

No alto do rio pudemos sentir a atmosfera serrana do lugar, botar os pés na água e preparar o espírito para o que viria pela frente. Passamos pouco tempo neste local e as aves não quiseram aparecer.

Alto da Cascata do Espinilho

Daí seguimos à trilha para a descida à base do cânion a margem rio Jacuizinho. Mesmo sendo uma trilha dupla, onde teoricamente seria possível descer com veículos sua inclinação é extremamente  acentuada, com pedras soltas e exige muito cuidado mesmo à pé. Tal trilha tem ao lado lindos paredões de pedra, repletos de cactos e bromélias, conferindo-lhe rara beleza.

Christian fotografa os paredões

Afloramentos de cactos na rocha
Com poucos minutos de descida começamos as primeiras identificações de aves: choquinha-lisa, trinca-ferro, choca-da-mata, tiê-de-topete,  borboletinha-do-mato... Todas espécies comuns mas que já conferiam o inicio do birding.
Meus primeiros registros do dia
Choquinha-lisa
Ao chegarmos na base do canion uma nova paisagem se apresentou. Uma mata menos densa com árvores e arbustos baixos possibilitavam uma condição ideal para os registros. Ali logo fomos recepcionados por uma arena de beija-flores-de-topete-azul, onde cinco ou seis indivíduos, incluindo jovens, vocalizavam incessantemente.
Beija-flor-de-topete-azul
Seguindo por uma trilha estreita, pouco adiante, novos avistamentos; um bico-grosso exibia-se à poucos metros, mariquitas, tiê-preto, sanhaçu-frade na copa de uma árvore mais alta enquanto um alma-de-gato passava furtivo mais adiante.

Bico-grosso
Sanhaçu-frade
Alma-de-gato
Mas o maior achado no local viria a ser um caneleiro-verde, que para nossa surpresa surgiu exatamente no arbusto que buscávamos por outras espécies mas logo voou. Tivemos que fazer uso do playback até que ele retornasse e desse condições ao registro digno de sua beleza.

Caneleiro-verde

Caneleiro-verde

Nesta trilha também pudemos verificar o rastro recente de um felino de grande porte, possivelmente um puma! Após dirigi-mo-nos até o afluente que levava à base da cascata, mas ao verificarmos que a distância era maior que a esperada e que odeslocamento deveria se dar dentre as pedras do rio optamos por retornar e partir para o outro destino mesmo sem conseguir a vista completa da cascata.
A volta pela trilha ainda nos reservou dois registro muito interessantes: verdinho-coroado e cais-cais.

Verdinho-coroado

Cais-cais

CASCATA DAS BICAS

Distante aproximadamente 15 km do Cascata do Espinilho, esta outra castata tem uma formação bastante similar, localizando-se num vale próximo da UHE Itaúba. O local parece ser mais acessível e também mais turístico na região. Os moradores locais nos receberam bem e foram atenciosos em nos indicar a trilha até o curso d’agua.

Novamente uma trilha larga, agora menos íngreme, mas não menos interessante. Na descida poucas aves se mostraram, contudo era possível ouvir alguns tinamídeos e a tovaca-campainha. No local avistamos novamente alguns beija-flores-de-topete-azul, pula-pulas e chocas, e ao chegarmos ao rio totalmente sombreado pela mata uma nova surpresa ao constatarmos mais rastros de onças-pardas, agora tão frescas que ainda estavam molhadas as pedras com suas pegadas, confirmadas no barro.

Rastros húmidos do felino
Esse local era bem fechado, com árvores típicas de mata atlântica e pouca luz. Consultamos o gps e verificamos que ao descermos a trilha havíamos mais nos afastado do que nos aproximado da casacata e que seria uma grande caminhada também pelas pedras do rio até sua base. Assim, com o foco maior nas aves, resolvemos deixar a cascata para outra oportunidade e voltar na esperança de algum avistamento que valesse nosso esforço.

E que bela decisão! Poucos minutos de caminhada retornando no caminho e um beija-flor pousado chamou nossa atenção. No local iniciava-se uma pequena algazarra, com a borboletinha-do-mato e alguns pula-pulas vocalizando muito. Foi quando eu avistei discretamente pousada acima das demais aves uma das menores corujinhas do Brasil, era uma Caburé (Glaucidium brasilianum). Quase não acreditei na cena, tive todas as melhores sensações que se podem ter na prática do birdwatching, foi empolgante, arrepiante... era o meu primeiro lifer do dia. Permanecemos alguns minutos registrando e curtindo a linda corujinha que se mantinha imóvel às investidas de suas possíveis presas que tentavam afugentá-la. Deixamos o local da forma que o encontramos com essa interessante disputa, sem saber seu desfecho.

Beija-flor-de-topete-azul

Caburé
Ainda comentávamos e comemorávamos o “registro do dia” quando na subida de volta o Christian da o alerta e busca no binóculos a confirmação de que uma tovaca-campainha alimentava-se na trilha uns 20 metros à frente. Registramos rapidamente, pois sabíamos bem a improbabilidade de avistar essa pequena ave no limpo. Foi um momento único, um lifer a muito tempo aguardado e que veio como um presente para finalizar nossa pequena aventura.

Tovaca-campainha
Realizados e muito satisfeitos com os poucos mas valiosos registros realizados retornamos, à Cruz Alta onde ainda pretendíamos conferir a situação de alguns açudes em busca das aves aquáticas.  A aposta se mostrou novamente acertada, e em menos de uma hora de observações conseguimos registrar marrecas-pardas e pardinhas, marreca-cri-cri, frango-d’agua-carijó, carqueja-de-bico-amarelo e por fim, um raro mergulhão-de-orelha-branca.

Mergulhão-de-orelha-branca
E assim terminou nosso dia... conhecendo uma região de natureza exuberante e muito promissora em revelar seus segredos e com a certeza de que uma segunda visita será muito produtiva.